Suspeição, incompetência e perda de objeto: O capítulo final do julgamento do STF

Os 11 ministros que compõe o plenário da corte terminarão de julgar os agravos apresentados no HC 193.726-PR.

O Supremo Tribunal Federal se vê às vésperas do capítulo final sobre o julgamento dos habeas corpus impetrados pela combativa defesa do ex-presidente Lula. Na próxima quinta-feira, os 11 Ministros que compõe o Plenário da Corte terminarão de julgar os agravos apresentados no HC 193.726-PR, no qual, em decisão monocrática de 8/3/21, o Min. Edson Fachin deferiu a ordem para “declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365- 32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula)”.

Na decisão monocrática acima mencionada, para além da concessão da ordem de habeas corpus que reconheceu a incompetência de Curitiba para julgar os processos do ex-presidente, foi declarada “perda do objeto das pretensões deduzidas nos habeas corpus 164.493, 165.973, 190.943, 192.045, 193.433, 198.041, 178.596, 184.496, 174.988, 180.985, bem como nas Reclamações 43.806, 45.948, 43.969 e 45.325”. Entre esses habeas corpus, destaca-se o de número 164.493, no qual se discutiu a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro em relação ao ex-presidente Lula.

Em 11/3/21, a PGR apresentou agravo em face da decisão monocrática, requerendo sua revisão para (i) que fosse reconhecida a competência de Curitiba; subsidiariamente (ii) que fossem mantidos os atos decisórios já praticados e (iii) que fosse reconhecida a competência de São Paulo e não de Brasília.

Em 15/3/21, a defesa do ex-presidente apresentou um agravo, impugnando apenas a parte final da decisão monocrática que reconheceu a perda de objeto dos habeas corpus e reclamações acima declinadas.

O Min. Edson Fachin decidiu afetar o julgamento desses agravos ao plenário do Supremo Tribunal Federal. Em relação a essa decisão em 22/3/21, a defesa do ex-presidente apresentou um novo agravo, requerendo que se reconhecesse a competência da 2ª Turma para o julgamento dos agravos anteriormente apontados.

Trata-se, portanto, de três agravos, aos quais nos referiremos, respectivamente, como “agravo da incompetência”, “agravo da perda de objeto” e “agravo do plenário”.

Em 14/4/21, o Plenário do STF começou o julgamento conjunto dos três agravos. No primeiro dia de julgamento, a Corte analisou, preliminarmente o “agravo do plenário”, reconhecendo, por maioria, que o Min. Edson Fachin poderia sim afetar o julgamento dos agravos ao plenário. Retomando o julgamento no dia seguinte, também por maioria, o Plenário indeferiu o “agravo da incompetência”, reafirmando a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para julgar os processos do ex-presidente. 

Portanto, o que será julgado nessa semana é o “agravo da perda de objeto”, no qual o Supremo Tribunal Federal decidirá se merece ou não reforma a parte da decisão monocrática do Min. Fachin que determinou o arquivamento dos habeas corpus e reclamações em trâmite na Corte, por perda de objeto.

É importante frisar que o plenário não irá julgar novamente se o ex-juiz é suspeito ou não. Como se sabe, em 23/3/21, finalizou-se o julgamento do HC 164.493, declarando-se o resultado de que a 2ª Turma do STF “por maioria, concedeu a ordem em habeas corpus, determinando a anulação de todos os atos decisórios praticados pelo magistrado no âmbito da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, incluindo os atos praticados na fase pré-processual, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, redator para acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator) e Nunes Marques”. Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal já declarou o ex-juiz Sérgio Moro suspeito, em decisão da qual não cabe recurso para qualquer outro órgão da Corte. De tal sorte, o plenário não pode mais dizer se Moro é parcial. Isso já se encontra decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Ele é.

Mas, ao julgar o “agravo da perda de objeto”, o Plenário decidirá qual decisão surtirá efeitos jurídicos: se apenas a da incompetência, como propôs o Min. Edson Fachin ao arquivar o HC da suspeição (entre outros) ou se ambas as decisões, incompetência e suspeição. Passemos a uma breve análise dessa discussão.

Em primeiro lugar, é preciso que se compreenda o que significa uma ação perder o seu objeto. A perda de objeto, no processo criminal, se dá, em apertada síntese, quando o pedido formulado por alguma das partes da relação processual já foi satisfeito de alguma forma. São vários exemplos que podem ser citados. A hipótese mais comum é de um mesmo pedido ser veiculado em instâncias diferentes. Por exemplo, a perda de objeto de um habeas corpus que tramita em um tribunal, pelo deferimento da liberdade provisória pelo juízo de primeira instância.

Na doutrina processual civil, a perda do objeto se identifica com a superveniência de falta de interesse de agir, condição indispensável para a ação, nos termos do art. 17, do CPC. Malgrado a impossibilidade de utilização de mencionada categoria às condições da ação penal, como assenta Aury Lopes Jr.¹ – e o transplante da doutrina processual civil para processos penais, por alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal tem causado severas deformações no processo penal – ela pode ser utilizada como parâmetro de avaliação da viabilidade das ações de impugnação, principalmente quando se refere a alegações de nulidades.

E no caso, é evidente que o reconhecimento de uma nulidade relativa, a saber, a incompetência territorial, não esvazia o interesse de agir de uma ação que pleiteia o reconhecimento de uma nulidade absoluta como a suspeição do juiz. É óbvio que se trata aqui de nulidades distintas, com repercussões jurídicas distintas. E, assim sendo, um acusado tem o direito de pleitear que a nulidade mais grave seja reconhecida, ainda que já reconhecida outra.²

A discussão ora levantada se assemelha ao interesse recursal do acusado em ver alterado o fundamento de sua absolvição. Com efeito, há consenso doutrinário no sentido de que cabe apelação contra decisão absolutória com fundamento na falta de provas para a condenação, para que a absolvição seja decretada com base na existência de prova da inexistência do fato ou da participação do réu.³

A toda evidência, se o acusado tem o direito de ver o fundamento de sua absolvição modificada, por conta das repercussões distintas que emanarão de tais fundamentos, também tem o direito – e o interesse de agir – de ver reconhecidas nulidades distintas do seu processo, principalmente quando delas decorrem efeitos distintos.

A essa conclusão já chegou a maioria da 2º Turma do STF que, na retomada do julgamento do HC 164.493, enfrentou o tema da perda de objeto e por 4×1 (vencido o Min. Edson Fachin que pleiteava a suspensão do julgamento) entendeu que deveria ser julgada a suspeição, mesmo diante da declaração de incompetência. Portanto, em realidade, a questão da perda de objeto já foi apreciada pelo órgão fracionário, de onde emerge a impossibilidade de sua apreciação pelo Plenário da Corte.

Concluindo, o Supremo Tribunal Federal enfrentará um tema sem maiores complexidades jurídicas e que não padeceria de qualquer reflexão aprofundada ou repercussão pública, não fosse a notoriedade do paciente dos habeas corpus. Não se trata de um novo julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, assunto já decidido pelo órgão fracionário. Trata-se apenas da aferição dos efeitos dessa decisão – da perda de objeto -, diante da decisão anterior que julgou a incompetência de Curitiba. E são bastante claras (i) a inexistência de perda de objeto de uma ação de impugnação que visa o reconhecimento de uma nulidade distinta com efeitos distintos e (ii) a impossibilidade de revisão da questão pelo Plenário do STF, uma vez que já analisada por uma de suas Turmas.

Espera-se que Supremo Tribunal Federal tenha serenidade para o julgamento de tais matéria, circunscrevendo-se a seus aspectos estritamente técnico-jurídicos e se abstendo de adicionar ao julgamento cálculos consequencialistas sobre os efeitos políticos da decisão. Pois, ainda no século XVIII, Guizot já nos alertava que “quando a política penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira por alguma porta”. E precisamos, mais do que nunca, que a Justiça se mantenha nos Tribunais.

Este artigo foi originalmente publicado em https://www.migalhas.com.br/depeso/344164/suspeicao-incompetencia-e-perda-de-objeto por Bruno Salles Ribeiro.

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